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Um dia deixaste de poisar os olhos sobre os objectos
próximos e demorava-los nos cantos altos e nas junturas
do telhado.
os tens gestos de levar o lenço às pálpebras esvaziavam-se
da consciência do momento em que o xaile negro te caía
de um ombro e ias mergulhar-te na escuridão do quarto.
nas rugas da tua boca desenhava-se para sempre a atitude
de presenciar aquela hora em que se cumpriu a tua solidão.
um dia deixaste de ir e vir da cozinha para o quarto dele
com esse andar pesado e atento de quem conhecia cada tábua
do soalho e a calcava com pressão diferente.
olhavas a figueira do pátio que secara sem explicação.
um dia desceste os quatro degraus da varanda
antiga e foste chorar voltada para a parede branca.
rio de silêncio sem margens sem origem.
Fernão de Magalhães Gonçalves
A pintura é de Rafael Sanzio
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