domingo, 10 de janeiro de 2010

DR.ª ALDEGUNDES E FREI MIGUEL

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À FLOR DO VERSO

A leitura dos poemas deste livro pressupõe, à partida, um constante jogo de cumplicidades entre o poeta e o seu leitor, devido à riqueza ideológica e formal dos seus versos.

Por isso, à medida que vai descodificando a “perfeição” intencional da palavra, o leitor é surpreendido, constantemente, pela linguagem reinventada da escrita, transformada, então, em objecto de arte. Mas não se pense que a preocupação principal do autor é a de avaliar e provocar as competências literária e linguística de quem lê. Se, nos seus versos, há a inovação criadora e dinâmica da palavra, é nos silêncios, angústias e inquietações religiosas e humanas, que encontramos as grandes linhas temáticas desta obra. Elas estão bem presentes nas marcas dolorosas da “estrada”, por vezes, “larga demais”, percorrida pelo poeta e onde trava, quase sempre, uma luta desigual. A amizade e fraternidade são valores contrastantes com a realidade cruel que ele enfrentou e enfrenta, como “cativo deserdado”, a ponto de confessar: “Preciso de colo, de

Assim, embora consciente da asserção de Pessoa “o poeta é um fingidor”, atrevo-me a afirmar que, nestes poemas, podemos encontrar o drama inteiro do Homem ainda que envolto na roupagem das metáforas.

Ao longo da obra são, pois, facilmente descodificadas as marcas profundas do sofrimento humano de todos os tempos: os pesadelos e tormentos do passado “ (…) hoje mais futuro que o presente”; a frustração por tanto ter deixado por fazer “ (…) na vida tão curta / que teve de ser vivida a correr” e a fragilidade do homem sofredor que lembra ao Pai a carência de Amor, in “Pai, sou eu!”. A morte dos amigos e dos entes queridos também não é esquecida pelo poeta. “Era de cardos o caminho, “Promessa”e “Hora di bai” são poemas revelares de que a Amizade é, para ele, um valor imprescindível na linha dos afectos. Mas é em Deus que ele procura apoio, de tal modo desiludido e fragilizado num mundo, onde apenas reina o “deserto” e o “ cansaço”.

Consequentemente, tomamos consciência da contribuição importante do “espaço intertextual” que desde cedo envolve o poeta e enriquece, ainda mais, o conteúdo dos seus versos. Quanto a mim, este livro é, acima de tudo, um mosaico resultante da mistura de códigos, onde valores culturais, religiosos e humanos se materializam na palavra.

E, apesar da notória presença das marcas disfóricas do pessimismo, do sofrimento, da frustração e da desilusão, resultantes da frágil condição humana, elas são superadas pela força da Fé. É ela que as transfigura e sublima! É em Deus que o poeta encontra a certeza do Amor. É na sua missão evangelizadora que ele se realiza verdadeiramente: “Eis que vos mando / como ovelhas para o meio de lobos”!Em suma, é nos valores absolutos que as suas fraquezas, emoções e sentimentos são transfigurados e sublimados!

Maria Aldegundes Fonseca

1 comentário:

  1. Até ao mar

    Rio a deslizar
    devagar
    com saudades da nascente
    com a foz
    ainda longe...
    e na corrente
    de margem a margem
    entre saudades e destino<<<<<<<.
    a vida
    no barco que trazemos
    a envolver-nos a alma
    ao sabor das águs
    mágoas
    afecto sem tréguas
    a desaguar em estrelas
    céu e mar.
    JMG

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