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Nasceu em Melo, no concelho de Gouveia, em Janeiro de 1916, filho de António Augusto Ferreira e de Josefa Ferreira. A ausência dos pais, emigrados nos Estados Unidos, marcou toda a sua infância e juventude. Após uma peregrinação a Lourdes, e por sugestão dos familiares, frequenta o Seminário do Fundão durante seis anos. Daí sai para completar o Curso Liceal na cidade da Guarda. Ingressa em 1935 na Faculdade de Letras a Universidade de Coimbra, onde concluirá o Curso de Filologia Clássica em 1940. Dois anos depois, terminado o estágio no liceu D. João III, nesta mesma cidade, parte para Faro onde iniciará uma prolongada carreira como docente, que o levará a pontos tão distantes como Bragança, Évora ou Lisboa.
Este homem reuniu em si diversas facetas, a de filósofo e a de escritor, a de ensaísta, a de romancista e a de professor. Contudo, foi na escrita que mais se destacou, sendo dos intelectuais contemporâneos mais representativos. Toda a sua obra está impregnada de uma profunda preocupação ensaística.
Vergílio foi também um existencialista por natureza. A sua produção literária reflecte uma séria preocupação com a vida e a cultura. Este escritor confessou a Invocação ao meu Corpo (1969) trazer em si “ a força monstruosa de interrogar”, mais forte que a força de uma pergunta. ”Porque a pergunta é uma interrogação segunda ou acidental e a resposta a espera para que a vida continue. Mas o que eu trago em mim é o anúncio do fim do mundo, ou mais longe, e decerto, o da sua recriação”.
Este pensador tecia reflexões constantes acerca do sentido da vida, sobre o mistério da existência, acerca do nascimento e da morte, enfim, acerca dos problemas da condição humana.
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APARIÇÃO
Virgílio Ferreira .
A Tragédia(1)
Foi longa a história deste género dramático. A Tragédia, tem origens nebulosas nas remotas festas anuais gregas, em honra de Dionísius.
Alcançou a sua plenitude nos Sec. VI a IV A.C., com Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Ressurgiu com o Renascimento, entrou em declínio com o Romantismo como género de literatura autónomo.
Todavia o trágico, como categoria antropológica e semântica manifesta-se através de outros géneros literários: a poesia, o teatro, o romance.
Acção Trágica
Segundo os princípios estabelecidos por Aristóteles, na Poética, há uma ordem de construção da acção trágica, desenvolvendo-se, em três momentos essenciais : Prólogo, onde se apresentam as personagens e é exposta a situação a partir da qual se vai construir a tragédia; os Episódios ou peripécias que constituem o desenvolvimento, em “ crescendo “, dessa situação de partida. Através delas, a acção vai-se desenrolando e o sofrimento ( Pathos ) dos intervenientes é cada vez maior, até se chegar ao ponto culminante dessa acção e desse sofrimento - o Clímax - que pode coincidir com a “ morte “ ou as mortes das principais persnagens, a que se seguirá a última parte da tragédia, o Epílogo - em que tomaremos conhecimento das consequências das peripécias e do explodir do Clímax/ Catástrofe. Presidindo a toda a tragédia, está a presença do Destino (Fatum) a quem nem aos deuses é permitido desobedecer que passará a controlar, ainda que inconscientemente, as personagens e as leva a desafiar as leis dos homens ou dos deuses. Tal desafio ( Hybris ) não ficará impune, e sobre quem desafia, recairá o castigo ( Nemésis ) dos deuses ou da sociedade. Esta situação de luta interior irá criar nos intervenientes( por vezes a níveis diferentes ) angústia e sofrimento que se irá acumulando e aprofundando, até ao Clímax e levará à destruição (Catastrophe) física ou moral, ou aquela como consequência desta, das personagens que ousaram desfiaro destino.
Os elementos trágicos vão sendo desvendados pelos presságios que vão indiciando, com o decorrer dos acontecimentos e preocupações do(s) protagonista(s), algo que paira ameaçador, criando uma atmosfera de fatalidade irreversível. Em outros casos o “ reconhecimento “ ( Agnórise ) vem precipita a acção através da revelação de algum facto ou vivência íntima, encaminhando-se para o desfecho trágico ( Epílogo ).
COMPONENTE TRÁGICA EM “APARIÇÃO “
“ Uma Língua é o lugar de onde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir “ ( Vergilio Ferreira )
Os Homens e os Deuses
Uma das dimensões fundamentais desta obra de Vergílio Ferreira é a componente trágica,neste livro que foi designado como livro da Condição Humana.
Desde a Antiguidade que cabe à tragédia uma função de reflexão profunda, sistematicamente virada para os grandes problemas e as relações dos homens com os deuses e dos homens com os homens. Embora não estando perante uma tragédia, no sentido estrito e técnico da palavra, há afinidades entre a história narrada e o universo da tragédia. Esta afinidade, mesmo dada à estrutura narrativa muito própria de Vergilio Ferreira em “ APARIÇÃO “, pode detectar-se no desenrolar dos acontecimentos que integram a narrativa deste romance.
Neste sentido, descobrimos em “ APARIÇÃO “ essa vivência trágica, na linha dos princípios estabelecidos nas constantes da tragédia estudadas e simplificadas pelos estudos de autores mais recentes.
- “ Tudo o que é forte e decisivo acontece como ter fome “.
- “ Quando me deitei e apaguei a luz, o convite do Chico para fazer a conferência incendiou-me o alvoroço. Tinha ali uma oportunidade de pôr em ordem o que me excitava. Um dia poderia desenvolver as minhas ideias num estudo mais longo: agora precisava de as fixar nos pontos capitais. E foi isso que desencadeou toda a história que narro".
Centremos a atenção sobre as personagens fulcrais da acção: Alberto Soares, Sofia e Carolino.
Alberto Soares, professor em início de carreira, chega a Évora, a cidade Ermida, onde passará, a nível diegético, o tempo medido de um ano lectivo. Também o que desde logo se torna evidente é o Espaço que não pode ser entendido no sentido linear das categorias da narrativa tradicional, pois o narrador - autor subverte-o, ganhando outras dimensões míticas e simbólicas. A vivência trágica projecta-se no próprio espaço evocado, por, em muitas passagens, envolver e projectar animicamente personagens e acontecimentos. E só para as personagens trágicas individualizadas a paisagem se reveste de características trágicas.
- “ O Alentejo era trágico, não lírico, só uma praga, a blasfémia ardente o exprimiria “.
- “ E ali parado, em face da cidade perdida na planície, era como se ouvisse em mim um coro de peregrinos, à vista de um santuário nas romagens antigas “.
Paisagem trágica, quando a planície se submerge alucinada de fogo e o velho calor alentejano, “sólido”, se agarra à terra, com um ódio tenaz.
O Alentejo, Évora, a casa, o café...., espaço virtual, se não fossem os nomes a chamarem-nos à realidade, à história, à “ terra calcinada “, deserta, estéril (....) "o teu destino de desastre, Sofia “.
- “ E agora que escrevo esta história à distância de alguns anos ......”.
A acção é cadenciada no tempo, pelas estações do ano. - “ Venho em Setembro, como da primeira vez.“. O complexo universo do protagonista Alberto Soares reporta-nos à vivência de um tempo passado que se torna presente pela memória.Alberto Soares, em Évora, vai ser um revelador. Pela sua mediação, as personagens vão fazer a descoberta do próprio mistério com as consequências que advirão dessa descoberta. A categoria menos elaborada nos romances de V.F. é a “ acção “, o que parece paradoxal, mas não tanto, se atendermos às palavras do escritor: “ É-me absolutamente incomportável, primário, infantil, um romance que me conte ainda uma “ história" .
Contudo, não deixam de ser verdadeiras narrativas ,uma vez que têm personagenxs desenvolvendo-se, no espaço e no tempo, que, com os mais ingredientes narrativos, vão tecendo uma história, no sentido romanesco do termo. Mas, é só a partir do alvoroço intelectual em que o lançou o convite do Chico e agarrou “ a oportunidade de pôr ordem no que me excitava “.
“ ALEA JACTA EST “
Tomando como ponto de partida o Cap. III, deparamos com o que poderíamos classificar, como Prólogo do desenrolar trágico dos acontecimentos.
No Café “ onde viria a instalar-me para sempre “, Alberto Soares encontra o Dr. Moura e é Sofia que aparece, premonitoriamente , em primeiro lugar... “ que também faz versos....” Então sumaria, em expressões incisivas o itinerário futuro de Sofia: “ Luz do meu Inverno ....olhar ácido de pecado... canto ardente iluminado de loucura.... mistério da vitória e do desastre, da violência do sangue...a angústia do teu grito contra os céus desabitados ?.....”. Mantendo um espaço interior, aceita o convite e vai jantar com a família Moura. A noite envolve-o a planície que exerce sobre ele uma sedução não totalmente nova:.. “ a montanha e a planície falam a mesma voz primordial “. Tudo se encaminha a nível do discurso para o evocar, emocionado, a memória de Cristina, “ a voz mais perfeita de tudo quanto me aconteceu “. Logo chega Sofia “como numa expectativa de teatro“ salientando a exuberância dos atractivos femininos, numa sedução antecipada a que depois se rende como algo de fatal ligado ao futuro das personagens.Um alarme interior soou, quando, ao apertar a sua mão com calor, se sentiu subitamente infeliz. A mão do destino servir-se-à do latim, para os juntar mais tarde
Sofia, pela sua maneira de ser e de agir, devido ao meio fechado em que se encontra, desafia toda e qualquer regra, quer no plano dos homens quer no plano dos deuses. Sofia constitui uma desafio permanente, inconscientemente, desde a “criança difícil", no dizer do pai, aos seus caprichos de garota e todos os desvarios, os excessos que, numa rebeldia natural, marcam a sua futura personalidade de (quase) adulta, na altura dos acontecimentos fatais. Apercebe-se de que tem um destino a cumprir e esse destino leva-a a desafiar tudo e todos. Desaparece de casa após a repreensão da mãe, e por ter aparecido de vestido roto diante das “pessoas de cerimónia“. Quando o pai falava de morte (....) "ela sorria com ar distante, separado, de uma louca “. Metem-na num colégio. Tentou suicidar-se duas vezes ...” melhor que à náusea das compensações mundanas, preferias o absoluto da destruição“.
- “Com o teu riso fresco , os teus olhos vivos de inocência e perversão."
- “Bela como a perdição, como todo o pecado “.
Assim vemos que, simultaneamente, Sofia obedece, com a sua personalidade, a outra característica da tragédia: é nobre de carácter. “ Mas Sofia sabia-se excepcional (....) Eu sei o que quero. Eu sei ! ” (16). Mulher de corpo inteiro e sedutora: “Por isso se vestia em perfeição, destra e aguda, disparada desde os saltos altos aos seios agressivos, aos olhos rectos e lúcidos. E eu sentia que tudo o que é vivo em terra estava ali presente no seu corpo".
“Quando querem destruir alguém os deuses começam por enlouquecê-lo “(EURÍPEDES ).
Carolino, que aparece com o desenrolar dos acontecimentos, só por si constitui o que é, por definição, uma “ personagem trágica “. Aluno do Dr. Alberto Soares como Sofia, e primo de Chico. No decorrer da narrativa aparece estrategicamente, quando se fala do suicídio do Bailote e se nota a sofreguidão e espanto estampados no rosto do Bexiguinha a querer saber o que se tinha passado: “-Que foi ?Que foi ?”. O professor divaga sobre a necessidade de “ajustar a vida à morte... e ver a harmonia de ambas".
Não entendia, mas foi ouvindo, interiorizando, exprimindo-se numa linguagem atribulada a prenunciar, talvez, a loucura que o viria a possuir e (des) controlar. “ Eu estava atónito, porque sentia em Carolino...loucura". Carolino: - “ Eu não digo que se mate, senhor Doutor, eu não digo isso. Digo que matar é igual a criar “. Na sua loucura desafia os deuses, na forma mais extrema e fatal de desafiar as leis dos deuses e dos homens.” Alberto Soares compreendia-o. A ironia baixa de Chico sobre as galinhas ferira profundamente Carolino, no seu amor próprio. Queria “sentir-me bem de dentro para fora, descobrir a “pessoa” que está em mim “. O desafio de Carolino, atinge mais acuidade, quando se sente igual aos deuses:
“ -Já não há deuses para criarem e assim o homem, senhor Doutor, o homem é que é deus porque pode matar”. Este e outros comportamentos constituirão, só por si, um indício da tragédia que se irá desenrolar. É a destruição que o domina contra a realidade primordial que é a vida: “- A vida é um milagre fantástico - disse eu - a vida é um valor sem preço", contraporá Alberto Soares.
- “ Que maldição pesa sobre a assunpção do nosso destino?, sobre o nosso confronto connosco mesmos?, sobre a evidência da nossa condição”?
Esta reflexão do narrador pode-se aplicar, igualmente, a Sofia, Carolino e Alberto, na tentativa de se compreenderem. O desafio foi demasiado longe e tinham que ser castigados (Nemésis). O papel do destino, no desenrolar da tragédia,é esparso. É desvendado pelos acontecimentos que, em crescendo, que precipitarão a catástrofe final. Alberto Soares é um elemento perturbador e agente do destino, enquanto irá despertar o inconsciente adormecido das personagens ,o se torna numa maldição punível.
Da análise das personagens Sofia, Carolino e Alberto Soares, ressalta uma série de elementos e identidade a que se ajustará um final trágico. O conjunto de capítulos XIV a XXI no desenrolar da acção ,o que é relativo, na economia da narrativa de Vergilio Ferreira, dada a densidade trágica de quase todo o romance. E é na angústia da descoberta de si mesmos, o terem de viver aquilo que são,sem nunca o conseguirem, que vai ser o elemento essencial do sofrimento ( Pathos ) em que irá clarificar a componente trágica. Verifica-se então uma aproximação cada vez maior de Sofia e Alberto Soares numa “união trágica e blasfema “ e a quem Sofia chama: “ - Meu querido assassino (...) meu bom assassino”, que marca o primeiro “ reconhecimento “ (Agnórise) de Alberto como agente do destino.
Em relação a Carolino, intensifica-se a relação professor - aluno , e ultrapassa a mera relação mestre/discípulo, entendendo o a morte como destruição, como réplica negativa do acto criador de Deus. tendo como ponto culminante a morte acidental de uma galinha, frente à qual Carolino fica fascinado. Mais um “indício“ que vai levar à quase ruptura de Alberto com Sofia, o que acabará por acontecer, vindo Carolino a ocupar o lugar deixado por Alberto. Devido certa desorientação interior, o protagonista retira-se para a casa do Alto. Em todo o capítulo XVII, tenta analisar todas as suas incertezas, memórias velhas, e saber se, ao fim de contas, escreverá para alguém : “ Não escrevo para ninguém, talvez, talvez...”.
“ Morre jovem o que os deuses amam”. ( Fernando Pessoa )
Nesta precipitação fatalista, vários indícios trágicos antecedem a morte de Cristina. Cristina morre quando "os campos estalavam de fecundidade ! “. É a primeira vitima "trágica" sem literariamente o ser, numa história que quase lhe passa ao lado.Por acidente aparece no mundo, por acidente o deixa. Vítima inocente:”...uma criança era o bastante para erguer o mundo nas mãos e que alguma coisa no entanto, a transcendia , abusava dela como de uma vítima, angustiava-me quase até às lágrimas “.
"A MINHA HISTÓRIA ESPERA-ME MAIS TERRÍVEL QUE NUNCA, DISPARANDO PARA O SEU DESFECHO “. ( Alberto Soares )
No capitulo XIX, Alberto recorda “ tudo desde que chegara a Évora”, quando todos abandonaram a cidade. O destino põe frente a frente Alberto Soares e Carolino, numa preparação próxima para o desenlace. Bexiguinha tenta assassinar o professor. Alberto Soares começa a dar sinais de auto-culpabilização: “ mas eu sentia obscuramente que apenas me esbofeteava a mim “. E, para Carolino: “ o teu crime era contra a vida,contra o absurdo que te assolou. Mas eu não queria isso... Pela primeira vez terá tido a noção do peso da sua influência sobre aqueles que elegeu para seus discípulos . E desta responsabilização nunca mais se irá libertar, como profetizara Chico : “- Não pense que isto fica por aqui. Você é o responsável por tudo quanto acontecer.” Ao que Alberto Soares encolheu os ombros, desandando solitário por uma cidade que lhe pareceu despovoada e inventada a desastre e a espectros “.
Tudo se precipita. A relação entre Carolino e Sofia acaba e as culpas recaem, indirectamente,pela boca do reitor, em Alberto Soares, apesar da loucura dos dois jovens. Uma inquietação crescente vai-se apoderando das personagens: Carolino e Sofia “destruíam-se com o seu protesto, mas recusavam-se a renegar o seu destino, morriam no combate, mas não pretendiam salvar-se fugindo desse combate “ (32). Estão definitivamente “ fulminados de maldição “ de castigo .
“Que maldição pesa sobre a assunção do nosso destino ” ?
Férias. Sofia reaparece e nos últimos três capítulos os acontecimentos acumulam-se.
Sofia assume cada vez mais a sua própria loucura com uma tentativa frustrada de suicídio. É o destino que marca o encontro com Alberto,através do convite de Alberto Cerqueira. A última vez que Alberto a vê “ num banco secreto de jardim. Estava com Carolino “. O protagonista lembra o telefonema recebido no liceu como prenúncio de todo o desfecho: “ - Só você é responsável. Só você “ (35). Este “ aviso absurdo “, eco do aviso de Chico, constitui um segundo “ reconhecimento “. Com a notícia da morte de Sofia, a tragédia atinge o seu clímax: “ Sofia apareceu num caminho que parte do chafariz de El-Rei, assassinada a punhal “.
Carolino foi o autor do assassínio, e“ morre “, psicologicamente, no auge da sua loucura. Ele é o instrumento do destino que tinha necessariamente de atingir Sofia, porque a ameaça de morte violenta pesava sobre ela com a força da fatalidade inexorável.
Alberto não é notificado para o julgamento, mas o remorso, o sentido de culpa e aniquilamento acompanham-no ao longo de toda a narrativa. “ Eu, porém, não queria envenenar-te , ao contrário do que depois se afirmou. Grito daqui aos que me acusam, grito-o com toda a força, uma igual e invencível como a desta montanha na noite “ (38). O protagonista afasta-se de toda a acção trágica, mas a memória, avivada pela emoção acompanha-lo-à:“O espaço esvazia-se até ao limiar da memória onde alastra o meu cansaço, o afago quente de um choro, o aceno de sinais que se correspondem como ecos de um labirinto. Num oblíquo aviso afloro o que estremece sob os gestos enfim apaziguados. Évora. Évora ".
Saliente-se o modo como o narrador comenta o desenrolar dos acontecimentos, num tempo de distância e memória , à maneira do coro na tragédia grega.
- “ Voltar para Évora. Como? Ah não !. Era o cúmulo “. No entanto o narrador leva-a na alma, em chamas, sonhos, de “ olhos saqueados “, longe de Prometeu-em direcção ao Cáucaso- castigado pelos deuses,por que lhes roubou o “ fogo” sagrado para o dar aos homens.
Assim a tragédia atinge o EPÍLOGO.
“ ADEUS, REITOR . ATÉ SEMPRE “.
O autor é condenado a partir, rumo à contínua procura e descoberta de si mesmo, no, da sua condição humana, sem deuses para o salvarem. Não resistirá à tentação de reentrar no mundo da inocência perdida...com saudades da Harmonia e da Ordem metaforizadas no canto e na música, desde Chopin tocado por Cristina, aos coros dos ceifeiros e dos cânticos de Natal na sua aldeia: “ Os cânticos irradiaram de novo na Igreja, abrindo no adro como uma grande flor de neve “.
Volta para Évora, de onde nunca saiu. “A noite avança, a minha cidade arde sempre.(...) Mas não sabia eu que ela devia arder ?(...) O que sei é que a morte não deve ter sempre razão contra a vida nem os deuses voltar a tê-la contra os homens ”.
VOLTARÁ EM SETEMBRO, COMO DA PRIMEIRA VEZ.
Setúbal, 06 de Janeiro de 1998
João Magalhães Gonçalves
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(1) Na elaboração deste trabalho foi usada a 29ª edição de APARIÇÃO, Lisboa-1994
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