sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

JOQUIM CARREIRA DAS NEVES

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Poeta da Vida

À Flor do Verso, de João Magalhães Gonçalves, é um verso maior de uma poesia referencial que é metáfora da Vida: Francisco de Assis, muitos com quem conviveu de perto, e neles descobriu o sorriso, a música sem fim…O poeta vê-se só, mas, paradoxalmente, acompanhado do encanto do narciso, das giestas, do botão da flor (grávido…do desejo de ser flor), do colo, da mãe, da bênção. O poema que melhor o define (se é que isso é possível) é o último: “Voltei, para agradecer”. Grande poema, soberba poesia! Embora só e, apetecendo-lhe fugir, estende “sempre a mão / à procura de mim”. O poeta escreve porque se vê na obrigação de cumprir uma promessa: “Dou conta da herança que recebi em testamento”; “A promessa e um dever:/ regressarei sempre / para agradecer;

Neste agradecimento (eucaristia da Vida), projecta a Bíblia que é o grande livro da Vida: Deus e os homens, esperanças e interrogações, cansaços do deserto e regresso à pátria, à Terra Prometida. O poeta reencontra o Horeb, a“fúria” de Job, a luz do Menino, a Samaritana (Jacob deixara / na memória de todos / um poço /à espera, / na plenitude do tempo, / de água e da vida / que viriam depois…),o Samaritano, os Magos, Belém, Filho Pródigo, “Pai, é eu”… mulheres da Ressurreição, o Cireneu, os discípulos de Emaús (poema extraordinário de existencialismo e dúvida), o leproso que agradece; “Sôbolos rios”, “Nunc dimitis” de Simeão, o pastor e o seu rebanho, “Senhora das Dores”.

Entre as figuras bíblicas e o mundo do poeta, nasce a esperança, a evocação de certezas escondidas, e, entre a floresta, a árvore sozinha, solitária, a precisar de água e raízes…e de uma África longínqua, perdida e sem identidade… perdida também na saudade de longes sem fim.
A esperança da liberdade, adiada, surgirá, a medo, num dia de Abril com a “liberdade desejada, em que os cravos nasciam / e passavam / de mão em mão, / mensagem rebelde e acordada / para um futuro sem nome / incerto / como a chuva de Maio”…

Ninguém pergunte pelo significado da grande música de Beethoven ou Bach. Ninguém pergunte pelo significado da poesia de João Magalhães, porque é poesia. Tudo é evocação, na palavra do poeta que vive os referentes dramáticos de desertos, esperanças messiânicas e vidas anunciadas. O poeta é, assim, mais um eco da realidade, em poesia sublime.

Joaquim Carreira das Neves, O.F.M.

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